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Conheça Patrícia e sua história 

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Sou a filha do Seu Júlio César e Dona Maria Gessi, irmã do Marcelo, Fernanda, Amanda Aylin, Carlos Henrique e Bruna Iasmin. Mãe do grafiteiro Fábio, e tia do Arthur. Fui criada numa família enorme, com mais de 20 tios e 80 primos, muitas avós, Dindo e Dinda. Uma família plural, multiétnica, matri-focada e agregadora, que apesar dos perrengues financeiros, sempre buscou dar o melhor possível em todos os momentos. Mesmo com a presença racial variada, com negros, indígenas, portugueses, alemães, a orientação cultural mais forte é a afrocentrada! Minhas duas avós paternas tinham Terreiro, minha mãe e tias eram Umbandistas, tinha tios do carnaval e em rádio negra, nós frequentávamos os Clubes negros como Marcílio Dias, Floresta Aurora e Satélite Prontidão. Minha adolescência foi indo a bailes nestes clubes, no Sindicato dos Metalúrgicos, Canecão, Ypiranguinha, Evolução, curtindo os ensaios nas Escolas de Samba, ensaiando muitos passinhos pra fazer bonito nos salões do Jara Musisom! Meu pai, mesmo não sendo negro, foi criado por uma mulher negra, de Terreiroe com irmãos de criação negros. Toda sua lógica de vida era focada numa cultura e inserção social negra, entendendo desde sempre os preconceitos e dificuldades por nós enfrentados. Foi com ele que entendi que deveria perceber o racismo e não aceitar calada. A não aceitar nada menos do que faço por merecer, e a lutar e conquistar meu próprio espaço. Ele sempre me disse que “A única herança que posso te deixar é o estudo!” e eu a uso muito bem.

Com minha mãe aprendi a luta das mulheres negras para serem livres, independentes e autônomas. A nunca ficar em relacionamentos que não são minimamente satisfatórios e a me fazer respeitar, custe o que custar… 

Tivemos todos os embates possíveis, dentro de uma família gigante, mas que hoje fazem um sentido enorme pela construção de visão de mundo a que minhas avós e tios foram obrigados a construir pelo tipo de vida que levaram. As perdas, as mortes precoces, os incidentes nos levaram a criar um entrelaçamento familiar que nem a separação dos meus pais foi capaz de desmontar. As famílias de ambos permanecem unidas, como se fossem uma só mesmo, pois eles eram amigos de adolescência antes de casarem. Nossos tios e primos são comunitários! Todo mundo se entende como uma grande comunidade, um aquilombamento por afeto, por convivência, por educação conjunta. Nunca separamos os lados! 

Nos meus 15 anos não teve festa… Eu nem queria viver a vibe de “princesinha” que minha família adorava, com baile e dança (a famosa “Valsa dos 15 anos”!), mas igual, sabia que as nossas mais velhas é que iriam decidir, no final. Mas aconteceu que o Banco que o meu pai trabalhava faliu bem naquele início de ano, e meu pai se foi, com seus colegas, fazer manifestação em Brasília, pra manter seus empregos. Acabamos por fazer só um bolinho e, na volta dele, só comemoramos o fato dele ainda ter um emprego. 

Aos 18 anos me formei Professora, com grande comemoração de todos, em especial da minha Dinda e da ex-patroa da minha mãe, que sempre me incentivaram, pagaram meu “enxoval” do curso, livros, e ainda davam sustento para minha alimentação nos dias que tinha aula integral, o dia todo. Seis meses depois, ingressei na UFRGS, para o Curso de Pedagogia. A primeira da família a entrar numa Universidade, que ainda era pública, gratuita e de ponta. Mais festa na família!! 

Aos 21 fiquei noiva, mas não queria casar no modo tradicional. Acabei engravidando aos 23 anos, e mesmo quando o relacionamento não deu certo, vi meu pai, sua nova composição familiar e a maior parte dos tios, avós e primos ficarem ao meu lado, me ampararem e subsidiarem nossa existência. Logo me tornei servidora pública, como vários outros da minha geração, seguindo o modelo de minha mãe e alguns tios, pois era uma forma de garantir nossa subsistência e de ascensão social.  

Depois de me tornar mãe, ter uma vida minimamente estruturada, percebi ao voltar meus estudos para as questões raciais, o quanto toda a minha trajetória de vida havia me preparado para este momento. Só percebi mesmo a amplitude e profundidade das minhas aprendizagens e da construção de mundo afrocentrado, quando me sentei pra redigir meu Memorial e a minha Dissertação no Mestrado. Pude fazer reflexões sobre a estrutura familiar, a importância dos debates, as Rodas de Conversa (que eram um Conselho dos mais velhos pra decidir coisas da família materna), a afroreligiosidade, os espaços culturais, os eventos e festas, as amizades, até a escolha de parceiro de vida. Tudo tinha um toque e uma luta afrocentrada. 

Hoje, depois de ouvir de um filho de primo que eu era uma referência familiar, por ter estudado muito, por me destacar nas minhas ações, por Palestrar e até aparecer na TV, penso o quando as minhas experiências e vivências com as minhas mais velhas foram importante para ser quem eu sou. Elas ladrilharam nosso caminho até aqui, e ao retornarem para a Massa de Origem, para o Òrun, nos deixaram a obrigação de seguir ladrilhando o caminho para a próxima geração, contando o que vivemos e mostrando como e o que aprendemos. E, acima de tudo, poder dizer à eles que, quando nós fizermos o retorno, passaremos o bastão para eles, pois a estrada a ser percorrida é infinita, e eles tem suas pedrinhas a ladrilhar na luta Antirracista.

Patrícia, 52 anos, professora municipal de Porto Alegre, afrobetizada e afroeducadora
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