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Conheça Vera e sua história 

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Me chamo Vera Lúcia, filha de Vera Lucia e Paulo Roberto, mãe de Júlia. Filha de mãe branca e pai negro. Nasci em berço humilde, meus pais se separaram quando eu ainda era criança. Crescer em uma família materna preconceituosa, ouvindo que negro era menos, e que eu teria que estar sempre à frente, pois minha nota 10 valeria menos que a nota 10 de uma pessoa branca, entre tantas outras coisas que nós negros estamos acostumados a ouvir, foi um tanto pesado. A sensação de esgotamento e impotência me acompanhou ao longo desses 49 anos, mas a garra e a vontade de me superar foram mais fortes. E mesmo assim após cada conquista, a síndrome da impostora paira sobre meus ombros como se eu não fosse merecedora de cada reconhecimento recebido pelo meu esforço. Sabe aquela sensação de nadar, nadar e morrer na praia, uma insatisfação, um grau de exigência tão cruel que não te deixa curtir o tão merecido troféu. Haja terapia, e são muitos anos de tratamento, conversa e praticamente uma lavagem cerebral para que eu consiga colher os louros das minhas vitórias sem a culpa e o chicote açoitando minhas conquistas e desmerecendo os meus feitos.

Buenas, falemos de coisas boas, entre mortos e feridos, pretos e brancos, construo a minha história, e me orgulho de onde estou e como a insatisfação me persegue, já estou de olho no futuro que está logo ali.

Minha trajetória foi pautada em ser “tradicional, normal”, procurei fazer as coisas sempre certinhas, aos olhos da minha mãe, até para que eu pudesse ser aceita no mundo dos perfeitos.

Meus pais não tinham muitas ambições a nosso respeito, se estudássemos para terminar o segundo grau já estava de bom tamanho, mas eu queria mais, só que ao mesmo tempo não tinha condições nem conhecimento para ir à diante, então a universidade foi ficando para trás. 

Mas eu tinha muitos sonhos, e construir minha casa, me casar vestida de noiva, viajar, tirar carteira de motorista, comprar carro, ter filhos, foram as metas cumpridas dos 21 aos 27 anos. 

No ano 2000 minha vida deu um looping e reiniciou, após o último item da lista cumprido, que era me tornar mãe de Júlia, meu casamento acabou, meu mundo caiu, e lá vamos nós para novos rumos.

 

Na época eu trabalhava em uma clínica de psicologia, e foi através das minhas chefes que conheci a psicóloga que me trato até hoje. 

 

Eu sempre digo que não sei o que seria de mim sem a doutrina espírita e a terapia, dois santos remédios. 

 

Eu admiro todas as profissões, mas psicólogo é algo incrível, pq meu Deus, que abacaxi p descascar e reconstruir, Jesus amado....

 

Depois do nascimento da minha filha, só fortaleceu a minha garra, pois desde criança eu sou empreendedora, criativa, talentosa, sempre criando algo para ganhar dinheiro.

Na minha adolescência confeccionava minhas próprias roupas, entre tantos devaneios eu almejava ser estilista.

 

Voltando à terapia... fomos tratando os traumas, limpando a ideia de menos valia, enaltecendo meus talentos, e fazendo uma lavagem cerebral para que eu agora com mais maturidade me achasse merecedora de cursar uma universidade.

Eu estava trabalhando em um local onde a maioria era rica, e pessoas com idade de 20 anos já estavam cursando a universidade, e a sementinha e o desejo de pertencer àquele grupo começava a germinar em mim. Quando eu era convidada para as formaturas, e aquelas cerimônias lindas de colação de grau me enxiam os olhos, qual criança desejando uma boneca na vitrine, eu pensava: um dia quem sabe eu também possa.

 

E em 2003, com 30 anos de idade eu ingressei na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no curso de Arquivologia, curso esse que me escolheu, pois desde meu primeiro emprego eu sempre trabalhei em arquivo, ou diretamente com documentos. Na época eu estava trabalhando em um escritório de advocacia, e meu chefe pediu para eu fazer um curso de aperfeiçoamento, e para minha surpresa só tinha curso universitário de arquivologia, num primeiro momento eu surtei, veio à tona a ideia de não merecer, de não ter condições de cursar uma universidade, mas enfrentei o tão temido vestibular da UFRGS.

 

Quanto à questão racial eu sempre fui minoria nos locais onde trabalhei, mas me destacava, algumas vezes pelo meu jeito “discreto de ser”, pela minha espontaneidade, criatividade de estar sempre fazendo além do esperado, até por que era uma das exigências incutidas na minha cabeça desde infância, faça sempre mais, seja 110%.

 

Eu me emociono cada vez que me lembro do dia em que saiu o resultado do listão da UFRGS, estávamos na Cidade Baixa, comemorando minha aprovação na Universidade da FAPA, e meus colegas ligaram avisando que eu havia passado na UFRGS, eu me ajoelhei em pleno bar chorando e perguntando porquê Deus tinha feito aquilo comigo? que eu não merecia aquela vaga. Que coisa de gente louca né, eu queria tanto, mas ao mesmo tempo eu não me sentia merecedora de algo tão natural entre pessoas de outras classes sociais.

Pois é, agora Vera Lúcia estava na universidade, novos projetos, novos sonhos, e entre sonhos e realidade eu me dividia entre trabalho, filha, universidade, e ainda vender bugigangas para complementar a renda.

 

Fiz amizades importantes na faculdade, amizades essas que até hoje fazem a diferença na minha vida. 

Tenho uma amiga, minha ex-professora que me incentiva muito, me impulsiona a ser melhor, me mostra o quão sou capaz, e após a conclusão do curso universitário, fomos juntas fazer a pós graduação. Sim, sou pós-graduada em Gestão de Arquivos pela UFSM, curso realizado em 2 anos, onde minha amiga e ex professora Medianeira Pereira Goulart, mais duas colegas da UFRGS viajávamos para fazer as provas. 

Mesmo com um início de vida meio caótico, me considero uma pessoa de sorte, pois Deus colocou no meu caminho amigos que me auxiliaram nessa jornada, tanto profissional quanto espiritual.

 

Nas viagens à Santa Maria, nova semente foi plantada, pois minhas colegas e amigas são concursadas, e me incentivavam a também fazer concurso.

Mais uma vez a terapia me ajudou nesse quesito, exaltando minhas capacidades e condições para quê eu pudesse me preparar e buscar uma vaga na minha área.

 

Inscrevi-me em dois concursos, para Arquivista no Arquivo Público do Estado e Arquivista na Prefeitura Municipal de Porto Alegre,  passei nos dois, mais uma etapa vencida, e os medos de falhar iam aumentando de acordo com os degraus subidos. Como diz o velho ditado: “quanto mais alta a escada, mais alto o tombo”. 

 

Em Maio de 2012 ingressei no Arquivo Público do Estado do RGS, onde trabalhei por três meses, e em Agosto do mesmo ano iniciei minhas atividades como arquivista na Prefeitura de Porto Alegre, classificada em 1º lugar na vaga de cotista, no concurso para Arquivista no município, onde estou até hoje.

Após 3 anos trabalhando no Arquivo, fui promovida, e em 2017 fui convidada para ser assumir a direção do Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho.

 

A Equipe do Arquivo Histórico busca colocar em evidência a história dos negros através da documentação contida em seu nosso acervo, através de exposições, artigos, oficinas de Educação Patrimonial.

Em 2017 quando assumi a direção do arquivo, iniciamos o Projeto Africanidades em Destaque, em comemoração a semana da Consciência Negra, e depois fomos aprimorando e inserindo a data de comemoração do dia da Mulher Negra. Hoje estamos na sua 5ª edição. 

A primeira homenagem às mulheres negras foi realizada através de uma exposição sobre as escritoras negras, exposição que rendeu frutos nos anos seguintes, onde transformamos a exposição presencial em virtual, agregando vídeos e fotos das homenageadas. Nesse ano dando continuidade e uma forma de fortalecer os laços que nos unem, escolhemos homenagear mulheres negras que consideramos em evidência em outras áreas de atuação.

 

A exposição “Mulheres Pretas de POA: história do passado, presente e futuro” visa mostrar um pouco mais da história de mulheres da vida real, com enfoque no cotidiano e quê de certa forma se destacam no seu meio de atuação.

 

Minha humilde contribuição juntamente com a Equipe do Arquivo histórico é de evidenciar, preservar, enaltecer, divulgar, agregar à história dos nossos ancestrais um novo olhar para que as gerações futuras continuem se orgulhando da sua trajetória.

Vera, 49 anos, servidora pública e Diretora do AHPAMV
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